Castanhas sem troco

Pedro. Rapaz tranquilo, sereno, pacato, bem "Bom Fim" entra no mercado público para comprar castanhas do Pará.

Chega até a banca:

- O saco de castanha ainda tá 5 pila?

- Não, não...é 4,99.

- Vou levar dois.

- Só passar no caixa que já levo lá, parceiro!

Assim, o rapaz se dirige até o caixa lentamente já que a banca está abarrotada de velhinhas querendo comprar todas as espécies de condimentos e especiarias que existem.

Finalmente chega até seu destino para efetuar o pagamento:

- Oi, pra mim são dois sacos de castanha.

- Não quer aproveitar e levar uma rosca? Pergunta a simpática mocinha do caixa, ao mesmo tempo em que lê uma revista tamanho "pocket" de R$ 1,99 que narra os fatos semanais das novelas.

- Não brigado, hoje só a castanha mesmo.

- Deu 9,98.

O rapaz pega uma nota de R$10 e entrega pra mocinha que pega a nota, guarda, dá uma leve mexedinha nas moedinhas e larga a já conhecida frase:

- Vou ficar te devendo 2 centavos, tá moço?!

- Sem problemas...

3 segundos de silencio, é o tempo de Pedro guardar seus saquinhos de castanha na mochila, e indagar a mocinha:

-Vem cá, vocês devem ficar devendo 2 centavos pra todo mundo que compra dois sacos de castanha e paga com uma nota de 10...

A mocinha achando graça:

- É né...

E quem compra um saquinho de castanha e paga com uma nota de 5, vocês ficam devendo 1 centavo né?

A mocinha já não não achou tanta graça agora...

- uuhum...

Pedro se vira, vai lentamente saindo da banca, ao dar o penúltimo passo pra rua, num tom polido tal qual um sargento de infantaria:

- ENTÃO PORQUÊ VOCÊS NÃO VENDEM A MERDA DO SACO DE CASTANHA A 5 PILA DUMA VEZ, CARALHO?

A mocinha, incrédula com a cena, dá um golinho na sua garrafinha e comenta com o atendente:

- Tu viu Haroldo... que na sexta feira a Rutchi vai dizer pro marido que vai abandonar tudo pra virar freira? Tá aqui na revista...

Ainda aprendendo

Hoje de manhã tive a sensação que seus dedos tocaram os meus lábios. Ainda perdido no mar revolto de lençóis, minha mente corre atrás de você.

Lembrei da sua risada daquela bobagem dita numa dessas noites, quando falamos sobre quase tudo e quase todos. Agora sei que não falamos tudo o que devíamos. Restaram palavras não ditas, não laçadas e que agora ficaram vagando desnorteadas sobre a cama.

Ainda sonolento, fecho as cortinas, tento manter tudo escuro porque sem a luz do dia meu pensamento ainda te alcança.

Como uma rosa do verão, eu sou vítima do outono e sei que retorno em breve. Aos passos de um homem velho, de uma garota de cidade pequena que a metrópole devora. Devagar, mas não alheio. Lento, não displicente.

Prefiro assim. Não lembro de nada feito com pressa que tenha realmente valido a pena. Vivo um silencio intencional, encaro as regras da solitude que machuca sem deixar vestígios.

Mas o mundo tem pressa e vem outro dia, outra chance de fazer direito.

Ainda estou aprendendo...