Esses dias eu tava assistindo TV, um canal UHF que não lembro agora exatamente qual, onde então transmitiam um jogo de futebol da série B. Da série B do Espírito Santo. Nada contra o estado do Espírito Santo, pelo contrário, mas digamos que futebol não é o forte da região.
Enfim, era fase final, o temido e emocionante torneio da morte. Decidia-se ali o time que não cairia pra série C!!! Desportiva Capixaba vs. Jaguaré Esporte Clube. O craque do jogo era um cara chamado Esquilo, centroavante “trombador”, 1,68m e devia pesar no máximo uns 57 kilos. Basicamente um chassi de grilo, filé de borboleta, “corpinho de pedir desculpa”. Outro que fazia grande partida era o goleiro do time, o qual respondia pelo nome de Cacareco. Este estava em forma com 1,72m e 104 kg. O uniforme, de tamanho único, parecia uma malha de balé no corpanzil do nosso destemido goleiro, e por óbvio, no Esquilo, parecia um lençol de casal pendurado num limoeiro seco.
Só o primeiro tempo do jogo teve uns 67 minutos, eu tenho certeza que teve!!! Apesar do narrador ter dito ao intervalo “chega de papo, encerra o primeiro tempo, na pinta dos 45 minutos”. Pensei: esse “loko” ta bêbado!! Ele narrava aquela partida com uma energia, que mesmo com o volume da TV lá embaixo, ainda dava pra ouvir gritos entusiasmados em lances corriqueiros: “laatteerraaaaaallll para a DEsporrrtttiiiiiiiiiiva!!!!!! Tava bêbado certo. Ou então, era a primeira narração da vida dele.
Falei dos 67 minutos do primeiro tempo deste jogo pra dizer algo que todo mundo já sabe: o tempo certamente passa mais devagar quando a gente fica diante de uma situação de esmagamento testicular, o popular “pé no saco”.
Ninguém tira da minha cabeça que durante as minhas aulas de matemática, aquele maldito relógio azul com fundo branco pendurado na parede lateral da sala de aula andava 3 segundos e voltava 1. Andava 3 e voltava 1. Ia 3. Voltava 1.
Nessa época eu tinha um colega maluco. Pancada mesmo. O nome do cara era Régis, e que me desculpem os Régis, mas é um nome ótimo pra doido. O apelido do Régis era Zôio, dizem que é porque ele caiu na piada do Zôio-zoreia-zouvido.
O Zôio era um cara bacana, gente fina, e geralmente calmo. Só tinha que ter o cuidado de não mexer na mão direita dele, não falar da Xuxa e também não tomar refrigerante de latinha do seu lado. Especialmente coca cola. Sei lá, o Zôio tinha seus motivos pra não gostar que mexessem na mão direita dele, ou então odiar que alguém bebesse coca cola (de latinha). Com relação à Xuxa, eu concordo com o Zôio porque ela decaiu muito quando parou de atuar em filmes adultos.
O Zôio tinha umas idéias boas, refletia sobre alguns assuntos e em algumas coisas eu concordava com ele. Várias inclusive. (além da história da Xuxa)
Mas como todo maluco, o Régis tinha umas “doidice” pesadas. Uma delas era brigar com o relógio. Ele não usava mais relógio porque a sua mãe tinha proibido. Antes de descobrirem o “probleminha” com as horas, ele ficava xingando o próprio pulso o dia inteiro. Dava gritos esganiçados: Filha da p****, vai te f****. Quando começaram a desconfiar do problema, ele passou a ser mais discreto, apenas sussurando contra o próprio pulso, mas não deu muito certo e tiraram de vez o relógio do Régis.
Mas nisso o Régis tava certo!!
Ele tinha toda a razão em brigar com o tempo. Aquele maldito relógio redondo, com cara de viado, ponteirinho fininho, com o logotipo de uma ótica do centro da cidade.
Andava 3 segundos pra frente...voltava 1...3 pra frente, voltava 1...
Teve um dia que o Régis ficou olhando pra parede por aproximadamente 18 minutos. Eu admito, era cúmplice da loucura temporal do Régis de ficar olhando pro relógio. Mas o da parede ele não xingava, apenas ficava olhando. Nesse dia, ele não se agüentou. De repente ele levantou da cadeira, encarou aquele relógio e largou se cuspindo todo: "FILHO DA PUUUUUUUUUTTAA.....TÁ DE SACANAGEM??????......SÓ PQ TAMO NESSA AULA DE MERDA TU VAI FICAR TIRANDO SARRINHO??????!!!!!!!!
Essa foi a ultima do Régis, definitiva, genial, sublime. Eu tenho certeza que o Régis era um cara a frente do seu tempo (trocadilho infâme). E depois daquele dia eu tive certeza de que essa bosta de tempo tá sempre nos passando pra trás. Sempre!